terça-feira, 26 de outubro de 2010

Marcelo Freixo, deputado estadual do Psol é fonte inspiradora do Tropa de Elite 2!


Foto: www.comunidadesegura.org

Um deputado no olho do furacão
Bruno Huberman
25 de outubro de 2010 às 18:00h


Para o deputado estadual Marcelo Freixo, ser um político ético traz resultado. Em entrevista, discute a segurança pública no Rio deJaneiro e fala sobre o filme Tropa de Elite 2. O sorriso de carioca boa praça engana. Não que o deputado estadualpelo PSOL Marcelo Freixo não o seja, mas quem o vê, a principio,desconfia ser ele o homem que enfrentou a milícia no Rio de Janeiro.Quem conhece a sua história na militância pelos direitos humanos nãose surpreende com a atuação que teve na Assembléia Legislativa.Trabalhou como professor de história em prisões, negociou rebeliões aolado do Bope e em 2006 candidatou-se ao parlamento fluminense paraampliar seu campo de luta. Foi o responsável pela instauração da CPIdas Milícias, que prendeu 275 milicianos e desmontou sua liderança.Freixo não pôde fazer campanha nas áreas de milícia durante a corridaeleitoral deste ano. Seus partidários foram intimidados pormilicianos. Por causa do enfrentamento, se viu obrigado a andar emcarro blindado e com segurança armado. Mesmo prejudicado, foi osegundo candidato a deputado estadual mais votado no Estado. Conseguiu apoio de artistas e intelectuais. A sua atuação como político e ativista inspirou o cineasta José Padilha na criação do personagemFraga no filme Tropa de Elite 2.Na entrevista concedida a CartaCapital, Freixo bateu na gestão dogovernador Sérgio Cabral e no seu “projeto de cidade segregadora” comas Unidade de Polícia Pacificadoras, muros, remoções e barreirasacústicas. E propôs um novo entendimento de segurança pública no Riode Janeiro e no Brasil.


Carta Capital: Por que você disse que teria que sair do país se nãofosse eleito?


Marcelo Freixo: Porque é óbvio, tenho carro blindado, segurança o diainteiro, toda uma estrutura policial em cima do mandato. Nunca fuiintimidado diretamente, mas houve descoberta de um plano de atentado.A polícia civil interceptou alguns planos.
CC: Você anda com medo nas ruas?
MF: Não é medo, é apreensão. Não é um cotidiano normal. Tem lugaresque não posso ir. Não é bom, mas o tempo inteiro eu sabia o que podiaacontecer. Também se perdesse a eleição seria uma vitória de muitosque enfrentamos. Acho que não haveria condições políticas paracontinuar aqui, pela segurança, porque ai sim seria inconsequentecontinuar no Brasil sem uma função pública e ao mesmo tempo seria umrecado da mesma maneira que a minha votação também foi, porque o Riode Janeiro deu uma resposta, se eu não ganhasse também seria umaresposta, inversa.
CC:O que representa para a política carioca você e o Chico Alencarterem sido eleitos com números expressivos, porém os mais votadoscontinuam a ser políticos como Wagner Montes e Garotinho?
MF: Eles foram eleitos em função do acesso a mídia e não por feitosparlamentares. A mídia televisa de um lado e o rádio do outro. O critério de eleição dessas pessoas não é o mesmo do nosso. Não são os mesmos parâmetros e instrumentos.
CC: Você enxerga isso como uma evolução da política carioca?
MF: Eu acho que a nossa votação foi uma resposta muito boa, animadora,tem muita gente vindo falar isso nas ruas. Eu acho o que levou SãoPaulo a votar no Tiririca de maneira irresponsável e inconsequente,aqui no Rio foi uma política mais consequente. Foi um “tô de sacocheio” e votaram em alguém, que mesmo que não tenha uma identidadeideológica, é alguém que tem uma referência republicana, ética. Osquase 178 mil votos que eu recebi não são votos de identidadeideológica com o PSOL, nem os do Chico, mas são várias identidades.
CC: O que é de se esperar do próximo governo Sérgio Cabral?
MF: Eu acho que seja pelo menos razoável, porque foi péssimo oprimeiro governo do Cabral. Um governo marcado pela falência da saúdepública, as pessoas morrem nos hospitais. A saúde pública carioca épalco de escândalos. Superfaturamento de medicamentos… Eu tenho umpedido de CPI apresentado que há quatro meses está dormindo na Casa. Éuma secretaria que dá mais notícia por causa dos escândalos do que dosfeitos, que chegou no seu pior resultado na história do Rio deJaneiro. Nunca antes na história do Rio a saúde pública foi tão ruim.Já que o Cabral gosta tanto do Lula, a gente usa essa expressão.
CC: Por que o Cabral saiu-se tão bem nas urnas?
MF: Ele ganhou a eleição por causa da UPP. Os formadores de opinião noRio resolveram o seu problema de saúde e educação comprando planos desaúde e colocando seus filhos na escola privada. Essa não é umaquestão pública no Rio de Janeiro. A escola pública na situação que está no Rio é uma questão só dos pobres. Eu acredito que esse problemaseja de todas as grandes cidades. O Cabral ganhou a eleição com apropaganda da pacificação, mesmo que isso tenha sido para uma partemuito pequena do Rio de Janeiro. A polícia do Rio é que mais mata emorre no mundo.
CC: Qual a sua opinião sobre as UPPs?
MF: É um projeto de cidade. A UPP só pode ser pensada com a construçãodos muros nas favelas, com as barreiras acústicas que tenta fazer comquem sai do aeroporto e chega a zona sul não veja as favelas e asremoções. O mapa das UPPs é revelador. É o corredor da zona sulhoteleiro, é a zona portuária com o projeto “Porto Maravilha”, é oentorno do Maracanã na avenida Tijuca, a Cidade de Deus e Jacarepaguá,que é a única área em toda Jacarepaguá que não está na mão da milícia.CC: É para gringo ver?
MF: Não é só pra gringo ver não, é pra gringo praticar esporte. É umasofisticação da expressão. É um projeto de cidade segregador. Nãoestou dizendo com isso que nos lugares que tenha UPP não existemavanços, é claro que tem. É claro que é importante não ter o tráficode armas, o tiro e redução de homicídios. É claro que entendo,compreendo e concordo com o morador da UPP que diz que agora estámelhor. Se eu morasse lá também diria isso. Eu entendo o cara dizendo:“eu quero UPP no meu bairro”, é compreensível. Contudo nós temos queter uma leitura do Rio de Janeiro como um todo. O mapa das UPPs mostraque não é um projeto de segurança pública, é um projeto de cidade.Porque essas áreas são para 2014 e 2016 e no mesmo Rio de Janeiro, como mesmo governo, nós temos a polícia matando três pessoas por dia. Apolícia do Rio é a que mais mata e morre no mundo. O Rio não estápacificado.
CC: Você enxerga alguma solução para a segurança pública fluminense?
MF: Claro que tem saída e não é o Galeão. Primeiro porque a segurançapública não é um debate de polícia, é um debate de política. Você temque enfrentar as milícias, por exemplo. Os líderes foram presos depoisda CPI das Milícias, mas elas continuam crescendo territorialmenteporque os seus braços econômicos não foram cortados por esses mesmosgovernos. Precisa pagar melhor a polícia. A polícia do Rio tem umsalário de miséria. O salário do policial do Rio só é maior do que osalário do policial de Alagoas. Não tem corregedorias e ouvidoriasfuncionando. A ouvidoria do Rio é surda. Não tem aproximação dapolícia com a comunidade, apenas tem nas zonas de UPP que é menos de1% do território do Rio, em todas as outras a polícia mantém umcontrole. Nós vivemos um apartheid sem precisar do muro. Esseselementos centrais o governo Cabral não desenvolveu. Não adianta dizerque avançou na segurança pública sem ter avançado nesses pontos. Queavanço é esse? Você escolheu algumas áreas de obediência e diz que oRio está pacificado? Apenas as áreas que interessam ao capital.
CC: Você acha que existe um processo de criminalização da pobreza?
MF: É histórico, claro que sim. Você criminaliza a pobreza e osmovimentos sociais. Para o Estado manter as relações autoritárias queele mantém, nos setores pobres, só faz isso disputando hegemonia. Sófaz isso dando um caráter de naturalidade a ação repressora do Estado.Isso só pode ser feita com a produção do medo. A produção do medo é ogrande instrumento de criminalização da pobreza.
CC: Existe uma programa do Estado em criminalizar a pobreza?
MF: É o Estado. A criminalização da pobreza é provocada pelo Estado.Isso não é provocado pelo Eike Batista, por mais imbecil que ele seja.Isso é provocado pelo Estado. É a lógica da segregação provocada peloEstado, quando pega a escola pública e faz ela ser a penúltima piorescola pública do Brasil, só perdendo para o Piauí. É quando faz seu CEP ser determinante na dignidade humana. A dignidade no Rio vem com amaresia. Se você estiver distante da maresia a dignidade vai sumindo.

CC: O que você acha dessa proposta do Serra de criar um Ministério deSegurança Nacional para cuidar da segurança pública, porém isso seriade responsabilidade dos Estados?
MF: Mais ou menos, na verdade o programa original do Lula, de 2002,que eu ajudei a fazer, prevê a Secretaria Nacional de SegurançaPública, que já existe, só que o projeto original prevê que fossevinculado ao presidente da República e não vinculado ao Ministério deJustiça como é hoje. Isso foi uma mudança, no meu ponto de vista,equivocado. Por que não há debate no Brasil mais importante do que asegurança pública, por uma razão: as pessoas precisam ser mantidasvivas. Nós temos em curso no Brasil hoje um genocídio acontecendosobre a juventude pobre e negra. Isso tem que ser responsabilidade dopresidente da República, mesmo que a responsabilidade das açõespoliciais sejam do governo do Estado. Segurança pública não é ação depolícia. Precisamos mudar o nosso conceito de segurança, uma sociedadesegura não é uma que tem muita polícia, mas é uma que desenvolve umacultura de direitos, ai a responsabilidade é sim do presidente.
CC: O que você achou do Tropa de Elite 2?

MF: Eu gostei muito, o filme leva o debate para o andar de cima emostra que o nosso problema é político e não de polícia. É um beloinstrumento. Mistura bom entretenimento com um debate político. É umabela obra.
CC: Você acha que o diretor tratou bem o problema das milícias?
MF: Eles estudaram muito as milícias. Eles acompanharam todo o nossotrabalho no gabinete, acompanharam a CPI. O Braulio Mantovani, queescreveu o roteiro, assistiu a todos os DVDs da CPI, fizemos variasreuniões, estudaram e debateram o roteiro com diversos setores.Tiveram muito trabalho antes do filme ser filmado, isso eu possotestemunhar. É um belo instrumento para saber o que queremos do Rio deJaneiro. Isso não é algo exclusivo nosso, o que leva o Rio a ter asmilícias existe em qualquer lugar do Brasil.
CC: E do personagem Fraga, interpretado pelo Irandhir Santos, que oPadilha diz ter se inspirado em você?

MF: O Irandhir esteve aqui com a gente em vários momentos, discutimoscada cena, o roteiro, conversamos muito. Ele é um grande ator, uma daspessoas mais responsáveis dentro da sua profissão que eu já conheci,um estudioso, além de talentoso.
CC: E como foi viver as situações do personagem no filme?
MF: Nem todas aquelas cenas correspondem a realidade. A começar pelaminha mulher, que nunca foi casada, nem com o Capitão Nascimento, nemcom o Wagner Moura. E a cena do presídio, de todas, é a mais distanteda realidade. A cena do colete aconteceu, quando decidia se entravacom colete ou não. Negociei dezenas de rebeliões, não sei a conta. Asnegociações aconteciam com o Bope, boa parte delas, mas comnegociadores do Bope que iam me buscar em casa de helicóptero. Nuncahouve uma tentativa de brecar a minha entrada nas prisões, muito pelocontrário, o Bope me chamava para fazer essas negociações. Eu trabalhohá vinte anos com os presos, chamo eles pelo nome, sei quem são, temum respeito muito grande. Trabalhei como professor de história nacadeia durante muitos anos. Para negociação isso é muito importante epara todas as negociações que nós fizemos nunca houve um preso ferido,nenhum problema.

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