É um privilégio enquanto mulheres feministas militarmos em uma cidade com tantos coletivos e organizações políticas que pautam a nossa luta. Nos últimos 3 anos, vimos conseguindo não só expandir o número de mulheres organizadas, como qualificar o debate e a agenda de luta, o surgimento de novos coletivos e fortalecimento dos já existentes demonstram a pluralidade de pautas e de entendimentos políticos tornando muito salutar a nossa militância na cidade.
Hoje temos a Rede Feminista de Saúde, o Núcleo de Mulheres e Gênero “8 de Março” do PSOL, a Marcha Mundial de Mulheres construída majoritariamente por mulheres do PT, o Coletivo Mieta Santiago das estudantes do curso de Direito e o Coletivo UMA Psy das estudantes do curso de Psicologia, ambos da UEL, temos também o Movimento Mulheres em Luta construído pelas mulheres do PSTU e militantes independentes, o Coletivo Maria Vem Com A Gente, o Setorial de Mulheres da APP, o Coletivo Primavera Radical, o Coletivo EVA, este último ponto de partida para a organização da Marcha das Vadias na cidade desde 2012 e o grupo Elitytrans, que pauta a luta das pessoas transgêneros e transexuais em Londrina.
Combatendo o sectarismo, a partir das pautas que nos unem enquanto mulheres, respeitando as características inerentes a cada grupo devido sua classe social, etnia, orientação sexual e identidade de gênero, nos últimos anos conseguimos construir atividades na data de 8 de março de modo a pautar as nossas demandas.
Neste ano de 2015 não foi diferente, de modo amplo e democrático definimos em assembleia que os temas trabalhados seriam: o combate a violência obstétrica, a luta contra o abuso e exploração sexual de mulheres e meninas e a luta por direitos trabalhistas das servidoras do estado do Paraná. Essas três demandas tiveram origem na própria sociedade e foram canalizadas através das mulheres que se dispuseram a organizar o ato do 8 de Março.
Ao longo dos últimos 2 anos, o Fórum Popular de Saúde de Londrina e Região, o Núcleo de Mulheres e Gênero “8 de Março” do PSOL e a Rede Feminista de Saúde vem recebendo uma série de denúncias sobre violência obstétrica cometidas nas maternidades públicas e particulares da cidade assim como em outros serviços de atenção básica e de atendimento de urgências e emergências.
As mulheres organizadas em torno da luta pelo parto humanizado, as doulas e outras profissionais de saúde sensíveis a causa vem tentando dar uma resposta a essa demanda urgente feminina, que atinge uma em cada 4 mulheres. Tornou-se então primordial que déssemos visibilidade a esta pauta, visto que grande parte da sociedade não tem contato com o tema, e as mulheres, por desconhecer a definição deste tipo de violência contra a mulher, sofriam caladas, sem saber como denunciar e se deveriam denunciar a violência contra seus
corpos, a negação de sua autonomia e dos seus direitos durante o pré-natal, parto e puerpério.
Em Londrina há cerca de 20 nascimentos por dia, isso significa que 20 mulheres parem todos os dias em nossa cidade e que 5 delas tem seus corpos e suas decisões desrespeitados e violados pelos profissionais de saúde e pelos serviços que as atendem. Devemos lembrar que a maioria das mulheres que sofrem esse tipo de violência são as mulheres adolescentes, negras, pobres e com baixo acesso à educação, ou seja, quem mais deveríamos proteger e acolher.
É de suma importância que a sociedade londrinense se dê conta deste tema, visto que, para todos nós existirmos, tivemos que nascer, e o nascimento implica necessariamente a abordagem ao corpo e a vida de uma mulher, podendo ser da forma mais respeitosa e humana possível ou não, e cabe a nós, sociedade civil cobrarmos do poder público que intervenha nos serviços de saúde para que nenhuma mulher mais tenha seus direitos humanos desrespeitados durante a gestação, parto e puerpério.
A partir da atividade realizada no Calçadão, foi montado um dossiê com as denúncias de violência obstétrica em Londrina que deverá ser encaminhado nas próximas semanas aos órgãos públicos e instâncias competentes.
Da mesma forma, a luta contra o abuso e exploração sexual de meninas e mulheres adolescente e adultas é de fundamental importância para nossa cidade, se queremos de fato vivermos em uma cidade mais justa e digna. Essa foi a pauta trazida pelas mulheres da Marcha Mundial de Mulheres por estarem em contato direto com mulheres e meninas em situações onde ocorrem este tipo de crime.
Nossa cidade compõem uma rota de tráfico de pessoas, armas e drogas conforme já noticiado pela mídia nacionalmente (vide matéria http://www.bonde.com.br/?id_bonde=1-3--697-20100819 ).
Majoritariamente as pessoas traficadas são mulheres e que acabam vitimadas pela exploração sexual, com possibilidades remotas de saírem sozinhas dessa situação se não houver de fato interferência do poder público. De modo semelhante, há um grande aliciamento de meninas e adolescentes para a prostituição e redes de pedofilia, e devemos lembrar que essa violência ocorre principalmente contra as meninas pobres e negras, das regiões socialmente mais vulneráveis da cidade.
No dia 29 de janeiro deste ano, Marcelo Caramori, assessor do governo do Paraná, que trabalhava como fotógrafo do governo em Londrina foi preso em Londrina em uma operação do GAECO que investiga a participação de servidores públicos em casos de exploração sexual de crianças e adolescentes na cidade.
De modo similar à exploração sexual, mais de 90% dos estupros e abusos sexuais são cometidos contra mulheres e meninas e quase metade dos casos
ocorre na infância e adolescência das vítimas, sendo causados por homens de confiança da família e dessas mulheres.
Lutar contra esse crime que destrói a vida de milhares de meninas e mulheres e dar visibilidade a essa luta é fundamental se queremos transformar nossa cultura machista, misógina e patriarcal que permite que esses crimes continuem ocorrendo no seio das famílias londrinenses, com a conivência de quem mais deveriam protege-las e com a ineficiência e descaso do poder público.
Tão importante quanto as outras duas pautas de luta expostas acima, está a luta pela manutenção e expansão dos direitos trabalhistas das servidoras do estado do Paraná, e esta pauta foi trazida pelo Movimento Mulheres em Luta e pelo Setorial de Mulheres da APP.
Ainda hoje, mulheres chegam a receber apenas 60% do salário pago aos homens para executar a mesma função, indiferente aos anos de estudos essa diferença salarial também é encontrada entre as mulheres com ensino superior completo.
Sabemos também que quanto menor o grau de escolaridade maior a diferença salarial de acordo com o gênero, e se a mulher for negra também receberá menos do que uma mulher branca e muito menos que um homem branco para fazer o mesmo trabalho.
Além da questão básica que é o salário, outros direitos trabalhistas são negados as mulheres todos os dias, como licença maternidade adequada, espaço para amamentação nas empresas, estabilidade no trabalho em caso de gestação e creches para bebês e crianças pré-escolares.
Passado o período reprodutivo, a mulher enfrenta outras violações de seus direitos enquanto mulher trabalhadora, principalmente referente a aposentadoria e direito a pensão, lembrando que são as mulheres as maiores atingidas nos cortes previdenciários pois tem uma expectativa de vida maior que os homens, e nesse período a maior parte delas vivem com doenças crônicas próprias do envelhecimento.
Tendo realizado essas reflexões a respeito da escolha temática das nossas atividades do 8 de Março de 2015, nossa missão é prosseguir com as intervenções na cidade, lembrando que devido à chuva, não foi possível realizar uma passeata no centro de Londrina chamando as mulheres trabalhadoras do comércio para se somarem a nós e também ficamos impossibilitadas de realizar uma panfletagem sobre os três temas trabalhados na Feira do Cincão, importante espaço público na periferia de Londrina, espaço este fundamental para o diálogo com as mulheres que moram nos locais mais afastados do centro da cidade e que não compõem a comunidade universitária. Para além dessas duas atividades, seguimos coesas para o planejamento das atividades dos próximos meses, como por exemplo, a Marcha das Vadias.
Há muito a ser feito, apesar da Lei do Feminicídio ter sido aprovada, grande parte das mulheres ainda não consegue proteção sob a Lei Maria da Penha; a cada 12 segundos uma mulher é estuprada no Brasil; a cada 2 horas uma mulher é morta no país e na maior parte dos casos, esse crime acontece em ambiente doméstico por homens com quem possuem vínculo afetivo e/ou sexual; uma em cada 7 mulheres brasileiras tem o direito ao próprio corpo negado e recorre ao abortamento inseguro por não desejarem levar adiante uma gestação correndo o risco de morrerem completamente desamparadas, ficarem com sequelas graves, ou ainda, serem exploradas pelas redes de aborto clandestino, quando deveriam ser prontamente amparadas e sua saúde e seus direitos sobre si próprias garantidos.
Esse quadro é responsabilidade direta dos governos à medida em que eles não apresentam políticas públicas que tenham a capacidade de combater essas violações em sua origem. Daí o nosso compromisso em explicitar e dar visibilidade a essas contradições e de fortalecer cotidianamente o movimento de mulheres propondo tanto soluções imediatas mas também pensando estrategicamente, a longo prazo, para a construção de uma sociedade mais justa e sem opressões.
Seguimos na luta, não há machismo que resista à nossa unidade e à nossa sororidade. Quando uma mulher avança, nenhum homem retrocede!
Núcleo de Mulheres e Gênero “8 de Março” do PSOL Londrina
0 comentários:
Postar um comentário